No início do ano, os cinéfilos foram surpreendidos com a prematura morte de um dos mais interessantes intérpretes em atividade. Nascido em Nova York, o ator Philip Seymour Hoffman participou de mais de 60 produções e entregou performances memoráveis, mesmo em filmes menores.
O ator teve justo reconhecimento em 2006 com o Oscar de Melhor Ator na pele do personagem-título em Capote. Mas antes disso, já tinha provado a que veio, tendo trabalhado com diretores do calibre de Paul Thomas Anderson, Spike Lee, Joel e Ethan Coen e Cameron Crowe. Atrás das câmeras, Hoffman assumiu a condução do singelo Vejo Você no Próximo Verão (2010), o qual protagonizou ao lado da atriz Amy Ryan.
Foi uma amostra relativamente pequena, porém robusta, do seu imenso talento. Dói pensar o quão magnífica seria sua carreira se uma maldita overdose de heroína não interrompesse a trajetória do ator, que completaria 47 anos nesta quarta-feira.
Em reconhecimento à sua rica contribuição para o cinema, a Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos presta um singelo tributo a Philip Seymour Hoffman, elegendo as 10 melhores performances do ator. De 29 trabalhos selecionados pelos membros votantes, eis o resultado.
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Actors are responsible to the people we play. I don’t label or judge. I just play them as honestly and expressively and creatively as I can, in the hope that people who ordinarily turn their heads in disgust instead think, ‘What I thought I’d feel about that guy, I don’t totally feel right now’
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por João Paulo Barreto
Película Virtual
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Lester Bangs era a imagem da crítica musical independente. Durante os anos 1970, escreveu para revistas como a Rolling Stone e Creem, onde foi editor após a primeira tentar castrar a sua sinceridade autoral. No cenário jornalístico vendido daquela década, era uma espécie de salvação no quesito integridade profissional. A imagem do jornalista em seus escritos e trajetória era a de que você pode até flertar com o sucesso, mas lembre-se sempre de sua raiz independente. Philip Seymour Hoffman interpretá-lo foi apenas um dos muitos acertos de Cameron Crowe no retrato da cena roqueira setentista em Quase Famosos. Do mesmo modo que Bangs na crítica, Hoffman era a imagem de um cinema que primava por sua independência. Flertou com filmes pipoca, mas sempre voltava à suas origens com Paul Thomas Anderson, sua cara metade artística. Ambos partiram cedo demais. Nós ficamos com a mesmice.
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por Thomás R. Boeira
Brazilian Movie Guy
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Último filme que Mike Nichols dirigiu até o momento, Jogos do Poder traz o diretor em ótima forma contando a história de como o congressista norte-americano Charles Wilson ajudou os rebeldes afegãos a derrotar os exércitos soviéticos na década de 1980. No entanto, em um filme que traz um carismático Tom Hanks e uma elegante Julia Roberts, é Philip Seymour Hoffman quem mais se destaca. No papel de Gust Avrakotos, agente da CIA que passa a ajudar Wilson, Hoffman surge com uma intensidade admirável e rouba o filme sempre que aparece, chegando ao ponto de nos fazer sentir falta do personagem quando ele não está em cena. O ator protagoniza os melhores momentos do filme, e sua indicação ao Oscar (a segunda de sua carreira) foi mais do que merecida.
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por Wallysson Soares
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Após uma série de papéis excêntricos que viriam a consolidá-lo no cinema (e inclusive lhe render um Oscar), Philip Seymour Hoffman interpreta em A Família Savage um homem comum. Com sensibilidade e ternura, resgata em Jon Savage preocupações diante de um pai adoecido e medos particulares que podem ser compartilhados por todos nós. Ao lado da excelente Laura Linney, entrega uma das suas mais sensíveis performances. Aliado ainda por bom roteiro e um personagem riquíssimo em nuances, está contido e conquista sem muito esforço por meio de uma presença em cena já conhecida. Além da maravilhosa química construída com Linney, transmite uma onda de sentimentos com olhares significativos e diálogos bem humorados. Uma pequena joia de filme e uma das atuações mais cativantes desse grande ator.
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por Rodrigo Torres
Cineplayers
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A trágica história de ascensão e queda pessoal na aurora da indústria pornográfica de Paul Thomas Anderson é uma obra-prima. Ponto. PTA alcançou esse feito em Boogie Nights – Prazer Sem Limites porque soube usar e abusar de todos os recursos cinematográficos possíveis, com dinamismo e estilo, sem jamais afetar a sensibilidade necessária para que sua premissa funcionasse – e o que acontece é o contrário, sendo tal característica acentuada. Para tal, ele tem a seu serviço um elenco de primeiro time, afinado, à vontade para improvisar e com assustadora profundidade. Isto é uma verdade tamanha que Philip Seymour Hoffman, talvez sexto ou sétimo nome do elenco, vai da excentricidade explícita de um Scotty J. bêbado ao protagonismo de uma cena de profundo apelo dramático, capaz de sintetizar e personificar o período de glória, excessos e ruína que o diretor pretendia emular. Isso acontece porque Seymour Hoffman, com 10 minutos em cena ou tendo um filme inteiro para si, marcou sua história com um comprometimento irrestrito com seus personagens e sua arte, e por isso tornou momentos de um papel de menor destaque – a exemplo da memorável cena de “Eu sou um idiota!” – mais um capítulo marcante de uma carreira brilhante.
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por Patrick Corrêa
Impressões de Um Cinéfilo
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Não é fácil ser Caden Cotard. Desafiador para qualquer intérprete, o protagonista de Sinédoque, Nova York está mergulhado em problemas de várias ordens, além de ser assombrado pela decrepitude física e mental. Nas mãos de Philip Seymour Hoffman, ganhou uma estranha verossimilhança em meio às estripulias metalinguísticas de um filme escrito e dirigido por Charlie Kaufman, dado a subversões do cânone narrativo. Ao viver um diretor teatral cuja obra se confunde com a própria vida , Hoffman precisou lançar mão de um arsenal de gestos, olhares e andares que poderiam soar apenas como cacoetes interpretativos, mas burlou esses riscos e entregou um de seus desempenhos mais lapidares em uma trama de abstração crescente para habitar.
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por Ivanildo Pereira
O Blog que Não Estava Lá
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De todos os personagens que Philip Seymour Hoffman interpretou nos filmes de Paul Thomas Anderson, o enfermeiro Phil Parma de Magnólia (1999) parece o menos chamativo. No entanto, Phil é um dos personagens-chave do filme. Ele é um observador dos outros dramas maiores, e é graças a ele que ocorre o momento-chave do filme, o reencontro entre Frank, personagem de Tom Cruise, e seu pai, vivido por Jason Robards. Em consequência, é desencadeada a antológica chuva de sapos do fim do filme, evento que muda para sempre as vidas dos outros personagens. A ideia do perdão – “O que podemos perdoar?” – é central para o filme e é trazida à tona por esse personagem, e o diretor percebeu a humanidade do ator ao escalá-lo para o papel.
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por Erika Liporaci
Artes & Subversão
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Há um motivo para que Capitu seja a personagem mais discutida de Machado de Assis: a dúvida que paira sobre seu caráter. Vítima atormentada ou mulher fútil e infiel? Em Dúvida, Philip Seymour Hoffman constrói sua interpretação com essa mesma dualidade. Seria o padre Flynn um homem incompreendido ou um pedófilo dissimulado? Hoffman faz com que Flynn pareça alternadamente inocente e culpado: ao mesmo tempo em que seu discurso soa indignado, resta sempre uma centelha de malícia no olhar. Ao final, é provável que continue a dúvida quanto à culpa do personagem, mas também a certeza a respeito do imenso talento desse grande ator que tão cedo nos deixou. Com esta inesquecível atuação, Philip recebeu a terceira de suas quatro indicações ao Oscar.
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por Alex Gonçalves
Cine Resenhas
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Um dos cineastas mais importantes da história do cinema, Sidney Lumet teve como “canto do cisne” Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, um dos melhores títulos de sua vasta filmografia. Tendo dirigido o drama com mais de 80 anos, Lumet demonstrou uma vitalidade invejável e permitiu que todos os componentes de seu elenco entregassem interpretações arrebatadoras. Como a de Philip Seymour Hoffman, que encarna o protagonista Andy com uma fúria nunca apresentada em trabalhos prévios. Repulsivo, Andy não mede esforços para se dar bem na vida, mesmo que para isso seja necessário comprometer toda a sua família, que já experimenta um longo processo de declínio. Eis que entra Philip Seymour Hoffman e a sua capacidade de tornar empático um indivíduo que em nenhum momento apresenta alguma compaixão por todos aqueles que estão ao seu redor.
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por Lucas Ravazzano
Cinemosaico
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Em um filme que investiga o fascínio do culto e o modo como ele aprisiona os indivíduos, o personagem de Hoffman é a exata personificação da natureza atraente e controladora deste tipo de organização. Seu Lancaster Dodd é uma construção complexa e cuidadosa, transitando entre a imagem que projeta publicamente do carismático e articulado líder religioso enquanto que intimamente se revela instável e mais interessado no poder e influência que sua seita lhe dá do que em usá-la para trazer algum benefício para os outros. O ator transita de maneira orgânica e sensível entre a persona pública de Dodd e aquilo que poderíamos dizer que é seu verdadeiro eu, nos revelando aos poucos as rachaduras em sua fachada culta e polida e seu interior agressivo e inescrupuloso que age com ferocidade quando questionado.
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por Isabel Wittmann
Estante da Sala
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Capote é baseado na história real a respeito da investigação que Truman Capote realizou para escrever A Sangue Frio, livro que mudou o jornalismo moderno nos Estados Unidos com seu uso de linguagem literária. Na película, Phillip Seymour Hoffman tem espaço para transbordar seu talento no papel título, pelo qual ganhou um merecido Oscar. Nem sempre é fácil a transposição de uma pessoa real para a tela, mas incorporando trejeitos, maneirismo e mesmo a peculiar voz da figura retratada, ele compõe um personagem longe do caricato e extremamente humano. Ainda que falho, a sutileza da interpretação nos leva a ter empatia e compreendê-lo em suas ações. Hoffman transpira Capote em cada poro, com uma atuação impactante que transcende a mera cinebiografia e o confirma como um dos grandes atores de sua geração.
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